• Sabrina Ongaratto
Atualizado em
Nos EUA, uma a cada seis crianças tem distúrbios mentais (Foto: Pexels)

Nos EUA, uma a cada seis crianças tem distúrbios mentais (Foto: Pexels)

Quem tem filho pequeno já deve ter se perguntado em algum momento: "Será que ele é hiperativo?". Às vezes, parece mesmo que a energia não tem fim! A jornalista Ludmila Yuri Hayashi, 35, mãe de Valentina, 5, que o diga. "Ela não consegue parar para fazer coisas simples do dia a dia, sabe? Se está vendo TV, faz contorcionismo ou brinca de massinha. Não tem paciência para esperar, pergunta mil coisas ao mesmo tempo. Ela come plantando bananeira, cantando... Na escola, termina a atividade e não consegue esperar os amigos. Fica mexendo com um e com outro", conta.

Ludmila e sua inteligente e incansável Valentina, 5 (Foto: Arquivo pessoal)

Ludmila e Valentina, 5
(Foto: Arquivo pessoal)

Há cerca de um ano, Valentina recebeu o diagnóstico: ansiedade e hiperatividade. "Para ela, é o fim ter de esperar 10 minutos para entrar na terapia", diz a mãe. Ludmila admite que é difícil controlar a inquietude da filha. "Estou aprendendo, mas ainda me estresso; é muito difícil. Ainda tenho uma bebê de 2 anos, que é mais tranquila, e a Valentina fica cutucando e irrita a irmãzinha. Acredito que é um aprendizado diário e requer muita paciência", desabafa.

Transtornos mentais na infância

No Brasil, apesar das poucas estatísticas sobre a prevalência de transtornos ou distúrbios mentais na infância, não é difícil encontrar casos com o de Valentina. Segundo um estudo de 2014 da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, em São Paulo, a taxa varia de 7% a 20%, dependendo da região investigada e da exposição a fatores de risco. Outros estudos revelam que a média é de 10,2% na idade pré-escolar. Mais da metade dos casos estão relacionados a transtornos de déficit de atenção e hiperatividade.

Já no Reino Unido, uma pesquisa recente da Universidade de Michigan revela que 7,7 milhões de crianças americanas de 6 a 17 anos têm pelo menos um distúrbio de saúde mental. Ou seja, uma em cada seis. E o mais preocupante: apenas metade recebe tratamento. "Transtornos de saúde mental são certamente condições estigmatizadas e podem ser muito debilitantes em termos de crescimento saudável, especialmente para crianças e adolescentes”, afirma o pesquisador, Daniel Whitney.

"Os transtornos do humor trazem prejuízos no desenvolvimento emocional e cognitivo, com consequências sobre o funcionamento pessoal, acadêmico e social, além do risco de cronificação e suicídio, o que torna o prognóstico mais desfavorável em relação àquele que desenvolve o quadro na fase adulta", esclarece a neuropediatra Andrea Weinmann (MS). Por outro lado, o psiquiatra Antonio Carlos Seihiti Yamauti, da Rede de Hospitais São Camilo (SP), faz um alerta para que "uma criança simplesmente ativa não seja confundida com hiperativa". "O diagnóstico só pode ser feito durante uma consulta e a avaliação é individual, não existe um exame específico. O profissional avalia certos critérios, tem escalas para isso. Em alguns casos, é interessante conversar até com a escola. Isto é, cada caso deve ser analisado individualmente", explica.

Ainda de acordo com o psiquiatra, alguns distúrbios mentais como a hiperatividade podem ter diversas causas, entre elas componentes genéticos - como é o caso da ansiedade -, questões biológicas ou até relacionadas a gestação, como falta de cuidados no pré-natal. Prova disso, é que o estudo americano aponta que crianças pobres e com mães solteiras eram cerca de 40% mais propensas a ter um problema de saúde mental do que as crianças de famílias mais ricas ou com dois pais em casa. "As características individuais do paciente e da família provavelmente também desempenham um papel importante", afirma Whitney. Por isso, é importante que os pais estejam sempre atentos ao comportamento dos filhos e comuniquem qualquer mudança ao pediatra.

Do bullying à depressão

Uma empresária de São Paulo ignorou seu instinto de mãe - que avisava que algo estava errado com a filha - e hoje se arrepende. Ela, que prefere não se identificar, é mãe de uma menina de 10 anos que chegou a ser diagnosticada com depressão depois de sofrer bullying durante três anos, sem que os pais ou a escola soubessem. "Desde que ela mudou para essa escola, em 2016, notamos que não tinha amigos como na escola anterior. Conversamos algumas vezes com a coordenação, mas sempre nos diziam que ela estava ótima, era feliz e isso era adaptação da idade. Acreditamos", conta.

Até que, recentemente, a menina começou a reagir. "As crianças fingiam que ela não estava lá, a ignoravam no pátio, a isolavam, roubavam e escondiam objetos. A partir daí, ela começou a dizer 'não' (gritando) e a escola a apontou como um problema. Ela começou a ficar doente, não queria mais ir para a aula. Tinha dores de barriga, vômitos, dores de cabeça, sem nenhum diagnóstico. Um dia, ela teve um ataque de pânico, dizia que tudo doía, não conseguia parar de chorar e de sentir tristeza", diz a mãe. "Imediatamente buscamos terapia e apoio do pediatra", lembra. "Minha filha era 'nerd, sensível e exagerada'. Era perseguida porque se fragilizava e  queria estudar mais. Isso irritava os outros alunos", conta.

Segundo o psiquiatra Antonio Yamauti, a depressão pode se dar de uma forma diferente na infância. "A criança não consegue verbalizar o que está sentindo. Então, ela pode ficar quieta, irritada, ter oscilações de humor, comportamento mais hostil, dormir mais do que o normal, alteração de apetite e alguns sintomas aparentemente físicos, como foi o caso dessa estudante, mas que na verdade tem uma causa emocional", explica.

Depois de muita terapia e mudança de escola, a menina saiu da depressão. "Mas só neste ano é que começou a se sentir mais confiante para reestabelecer novas amizades. Se a família não esta atenta, isso se prolonga e aumenta", explica a empresária. "Mas sabe o que é pior? Quando comecei a abrir o caso para os pais, eles começaram a conversar com os filhos e descobriram mais casos de depressão, na mesma turma", completa. 

O preconceito que ainda existe

Assim como a empresária que viu a filha sofrer de depressão, uma outra mãe, uma advogada de Santos, também prefere não se identificar. Tanto uma quanto a outra acreditam que ainda existe preconceito e, por isso, querem preservar a identidade das crianças. A advogada disse já ter presenciado diversas cenas de injustiça em relação ao filho. O menino, que tem 9 anos, faz tratamento desde os 5 para hiperatividade. "Ele sempre foi muito, muito elétrico, muito agitado e depois quando vivia com outras crianças, ele extravasava essa agitação batendo. Então, tudo isso era um problema", conta. Na época, ela teve que esconder o diagnóstico até mesmo do marido, que achava "que era tudo besteira".

"As pessoas são preconceituosas. Quem tem hiperatividade ou qualquer outro transtorno é um pouco abandonado pela legislação. As crianças com deficiência tem muito mais amparo. Hoje, meu filho não faz mais tratamento com psicólogo, pois não consigo pagar. É uma tarefa muito difícil ser mãe de uma criança hiperativa. Ao mesmo tempo em que eu não quero sair falando pra todo mundo o que ele tem, pois não quero que tenham pena, não é possível identificar o transtorno e ele é rotulado como mal educado. Os olhares são muito cruéis", desabafa. "As pessoas precisam respeitar as outras, independentemente de uma possível patologia ou não. Mas, infelizmente, é mais fácil julgar", finaliza.

De olho nos sintomas

"É importante que os pais percebam os sinais de que algo não vai bem e que seu filho pode apresentar um transtorno mental", orienta a neuropediatra. Veja, abaixo, quais são eles:

- mudanças persistentes de humor;

- tristeza excessiva que persista por mais de duas semanas;

- problemas de humor que comecem a interferir nos relacionamentos em casa ou na escola;

- sentimentos intensos;

- medos inexplicados que passem a interferir nas atividades diárias;

- mudanças drásticas no comportamento ou personalidade;

- comportamento perigoso ou descontrolado;

- dificuldades na concentração;

- perda de peso inexplicada;

- dores de cabeça e de estômago relacionadas à tristeza ou ansiedade;

- insônia ou excesso de sono.

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